17/02/2007

Vitória do Sim – Um passo em frente na Cidadania

Em Portugal acrescentou-se mais um passo de Cidadania com a vitória do Sim à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção da mulher nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.

As razões da vitória do Sim são, entre outras (*) “a defesa da maternidade e paternidade plenamente assumidas e responsáveis antes e depois do nascimento; o respeito pelas mulheres, o respeito pela dignidade, autonomia e consciência individual de cada pessoa e pelos princípios da igualdade e da não discriminação entre mulheres e homens; o combate ao aborto clandestino e inseguro; a alteração de uma lei injusta que pune com prisão até três anos as mulheres que pratiquem uma interrupção voluntária da gravidez, lei ineficaz, injusta e constitucionalmente ilegítima”
Congratulamo-nos com a vitória do Sim conscientes da importância e justeza das razões do Sim conforme foi defendido e debatido no decorrer da campanha

A campanha no Referendo nos Açores. Adesão e participação de cidadania

O Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim (MCRS) contribuiu desde a sua constituição para o debate no Referendo apresentando e debatendo as razões que justificam a alteração desta lei injusta. Constituimo-nos num acto de participação e cidadania activa integrando ciadadãs e cidadãos de todo o país.
Nos Açores a nossa participação começou com a adesão ao Movimento (MCRS) recolhendo cerca de 500 assinaturas para a sua constituição, o que depois progrediu para um debate com a população no sentido do aprofundamento e confirmação das razões pelas quais votamos sim. Organizamo-nos como grupo activo, promovemos contactos, divulgação, esclarecimento e debates. Participamos em acções promovidas por Entidades e Orgãos de Comunicação locais e regionais.
Todo este esforço, inclui a participação em acções conjuntas dos outros Movimentos pelo Sim(**). Todo este empenho dos Movimentos e forças apoiantes do Sim teve como resultado contribuir para um maior esclarecimento da população, nomeadamente a população açoreana, e contribuir para o resultado obtido na votação do dia 11 de Fevereiro em que o Sim subiu de forma espectacular em toda a Região Autónoma dos Açores. De facto, ao analisar os resultados da votação no Referendo na Região e comparando com os resultados de 1998, constata-se que: O Sim aumentou em todas as ilhas, concelhos e freguesias. O Sim obteve neste Referendo em 2007 o dobro do número de votos obtidos em 1998 (17.052 votos em 2007 / 8.368 votos em 1998). Inversamente a votação no Não desceu em toda a Região (38.426 votos em 2007; 39.899 votos em 1998)

Cabe aqui agradecer a/os activistas do Movimento o seu empenho, agradecer de forma particular o apoio recebido no nosso trabalho na Campanha e particularmente agradecer e destacar todas as pessoas que foram votar e votaram Sim.

Perspectivas pós Referendo

Nesta fase pós o Referendo interessa prosseguir na defesa das razões do SIM. Rejeitar as manobras para atrasar a nova lei e tentativas para que a lei tenha conteúdos restritivos à vitória do Sim.
Prosseguir igualmente a luta em outros campos, tais como a implementação da Educação para a Sexualidade, do Planeamento Familiar e o Apoio à Família.
Refira-se o importante trabalho que tem sido feito por ONGS (Organizações Não Governamentais) como a APF (Associação para o Planeamento da Família) e a UMAR (União de Mulheres, Alternativa e Resposta), que no âmbito nacional e regional, integraram as acções pelo SIM no Referendo. Estas e outras organizações da área dos Direitos Sexuais e Reprodutivos e da Igualdade de Género irão, agora, certamente prosseguir com maior vigor a sua acção em prol dos direitos humanos, pelo apoio à maternidade e paternidade responsável e gravidez desejada, no país e na região.

Ponta Delgada, 17 de Fevereiro 2007

13/02/2007

Portugal vota «Sim», primeiro-ministro «aprova» alteração

O «Sim» venceu o referendo para a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez até às 10 semanas. Uma consulta popular não vinculativa, mas cujas ilações e respectiva leitura assumem agora contornos de novas responsabilidades. A maioria dos portugueses deu ontem um sinal claro que a lei será para mudar. Tem agora a palavra a Assembleia da República…

Embora não se trate de uma consulta vinculativa, justificada também pelos elevados valores da abstenção – comuns aos cinco referendos realizados até hoje em Portugal (três de âmbito nacional e dois de teor local) –, o «Sim», também pela expressão dos números (59 por cento), deixa via aberta para a revisão da Lei do Aborto. Uma leitura ainda mais simplificada quando se atende às declarações do primeiro-ministro, que, na qualidade de secretário-geral do Partido Socialista, se empenhou pessoalmente na campanha, ao deixar bem claro que fará cumprir a vontade expressa dos portugueses nas urnas e dizendo que a lei será agora “decidida e aprovada na Assembleia da República”.
José Sócrates, o último dos dirigentes partidários a comentar os resultados eleitorais na noite de ontem, não assumiu peremptoriamente que o PS vai alterar a lei – optou antes por salientar que a consulta popular teve mais participação do que a de há oito anos –, mas foi directo quando aludiu que será necessário “fazer uma lei que respeite o resultado do referendo”.
Também o maior partido da oposição deu uma achega à linha de orientação que o chefe do Governo anunciou que poderá ser seguida daqui para a frente. Marques Mendes, no discurso da derrota – visto que apoiou e fez campanha pelo «Não» –, defendeu a legitimidade da alteração da Lei do Aborto em Portugal. O presidente do PSD considerou que, “apesar da consulta não ser juridicamente vinculativa, a vontade dos portugueses deve ser respeitada”. Realçando a legitimidade do resultado, destacou ainda tratar-se de “um imperativo de consciência” o facto de se adoptar agora “o mesmo critério de há oito anos, quando venceu o «Não»”.
Em termos totais, 43 por cento dos portugueses foram às urnas referendar a Interrupção Voluntária da Gravidez, tendo a esmagadora maioria votado «Sim». O «Não», vencedor incontestado em 1998, obteve 40 por cento dos votos.
Abriu-se uma nova página, mas, bem mais do que isso, o tema, polémico quanto baste, volta ao Parlamento… e desta vez para ficar

António Pedro Gomes

09/02/2007

O aborto no mundo

Em meados de 1982, 10% da população mundial vivia em países onde o aborto estava proibido em todas as circunstâncias e 18% habitava nos países onde era permitido só para salvar a vida da mulher. A maioria dos países latino-americanos, a maioria dos africanos, quase todos os países muçulmanos da Ásia e cinco europeus (Bélgica, Irlanda, Malta, Portugal e Espanha) pertencem a estas duas categorias.

Uma percentagem de 8% da população mundial vivia em lugares onde se permitia o aborto sobre bases médicas amplas. O 64% restante estava governado por leis que, ou permitiam o aborto por razões sociais amplas (Índia, Japão, Reino Unido, República Federal da Alemanha e a maioria dos estados socialistas da Europa Oriental) ou que o permitiam por petição própria, geralmente dentro do primeiro trimestre.

Exemplos destes últimos são EUA, países escandinavos, China, Cuba, França, Alemanha, Itália, Holanda e Singapura. Mas as leis prevêem a autorização dos pais de uma grávida menor de idade num período de espera de até uma semana e permitem que os médicos recusem fazer o aborto se algum tiver uma objecção. Nos últimos 15 anos, as leis liberalizaram-se em muitos países para acabar com os abortos clandestinos.

A União Soviética foi a primeira a legalizar o aborto, em 1920. Os países escandinavos começaram a liberalizar o direito ao aborto em 1930: Islândia começou em 1935, seguida da Suécia em 1938, Dinamarca em 1939 e, finalmente, Finlândia e Noruega em 1950 e 1960. Em 1968 aprovou-se uma legislação liberal do aborto no Reino Unido.

Em 1975, o resto da Europa Ocidental tinha leis restritivas. Na altura, a Austrália aprovou uma lei que permitia o aborto durante o primeiro trimestre e a França autorizou-o por solicitação nas primeiras 10 semanas, sujeito a várias condições.

Em seguida foi a República Federal da Alemanha em 1976, a Itália em 1978 e a Holanda em 1981. Em África, a Sul do Sara, sem contar com a África do Sul, as políticas restritivas introduzidas durante o domínio colonial ainda existem, excepto na Zâmbia: em 1972, esta aprovou uma lei semelhante à lei britânica sobre o aborto.

A China aprovou uma lei sem restrições em 1975. Com a insistência actual do Governo Chinês em relação a famílias de uma só criança, pela política no controlo da natalidade, para além das sanções económicas e sociais ditadas para que as famílias só tenham um filho, o planeamento familiar passou a ser controlado pelo Estado.
O aborto na Europa
O aborto é permitido por solicitação da mulher na Albânia (com aconselhamento obrigatório uma semana antes), Arménia, Azerbaijão, Cazaquistão, Eslováquia, Eslovénia, Letónia (desde que seja aprovada por um comité), Lituânia, Macedónia, Moldávia, Noruega, República Checa e Roménia.

Bielorrússia

Permitido por solicitação da mulher até às 12 semanas e por razões médicas até às 28 semanas.

Bulgária

Permitido por solicitação da mulher até às 12 semanas. Após este período, só é permitido se houver risco de vida da mulher ou malformação do feto.


Bósnia-Herzegovina e Croácia


Permitido por solicitação da mulher até às 10 semanas.

Estónia

Permitido por solicitação da mulher até às 12 semanas e até às 20 semanas por razões de saúde.

Hungria

Permitido por solicitação da mulher até às 12 semanas, depois de aconselhamento.

Liechtenstein

Permitido nos casos de risco de vida da mulher, risco para saúde física e/ou psíquica da mulher.

Malta

Punido por lei.

Polónia

Permitido nos casos em que haja risco de vida da mulher, risco para saúde física e/ou psíquica da mulher, ou nos casos de crimes sexuais ou malformação do feto.

Alemanha

Permitido sem limite por razões médicas (ameaça da vida ou saúde física ou psíquica da mulher, malformação do feto e riscos de saúde causados por situações sócio-económicas adversas). É permitido até às 12 semanas, por solicitação da mulher e acima das 12 semanas quando há violação ou outro crime sexual.

Áustria

Permitido até aos três meses desde a implantação (acontece, normalmente, uma semana após a ovulação ou três semanas após o último ciclo menstrual), por solicitação da mulher. No segundo trimestre é permitido em caso de risco de vida ou da saúde física da mulher ou quando esta tem menos de 14 anos.

Bélgica

Permitido até às 12 semanas, nos casos em que a gravidez provoca na mulher um “estado de angústia”. Permitido sem limite em casos de grave risco para a saúde da mulher e risco de doença grave e incurável do feto.

Dinamarca

Permitido até às 12 semanas, por solicitação da mulher. No segundo trimestre é permitido por razões médicas (risco de vida ou de severa deterioração da saúde física da mulher, malformação do feto, riscos de saúde causados por situações sócio-económicas adversas, perigo de transmissão de doença genética ou de doença embrionária ou fetal), por incapacidade física ou psíquica (incluindo juventude) da mulher se responsabilizar pela criança e quando a gravidez, o parto ou os cuidados a prestar à criança implicam riscos para a mulher, para a sua vida familiar ou para outras crianças.

Chipre

Permitido em casos de risco de vida da mulher e da sua saúde física e/ou psíquica ou em casos de violação ou malformação do feto. São também tidos em conta factores sociais e económicos.

Espanha

Não há punição para a mulher que pratique o aborto fora de um centro ou estabelecimento público ou privado acreditado ou em que não se tenham cumprido todos os requisitos médicos exigidos. A aplicação da lei consente a realização do aborto, apesar de o texto legal só consagrar os seguintes casos: até às 12 semanas, no caso de violação; acima das 22 semanas, no caso de malformação do feto e sem limites no caso de risco de vida da mulher.

Finlândia

Permitido até às 24 semanas, quando a continuação da gravidez envolve um risco maior do que a sua interrupção para a saúde psíquica da mulher; nos casos de crime sexual e quando se justifica por razões sócio-económicas ou sócio-clínicas. Até às 20 semanas no caso de risco para a saúde física da mulher e até às 24 semanas quando há risco de vida da mulher ou risco de malformação do feto.

França

Permitido até às 12 semanas, por solicitação da mulher. No segundo trimestre é permitido por razões médicas (risco de vida da mulher, risco para a saúde física da mulher e risco de malformação do feto).

Grécia

Permitido até às 12 semanas, por solicitação da mulher. Até às 22 semanas é permitido por razões médicas (risco de vida da mulher, risco para a saúde física e/ou psíquica da mulher) e por violação ou outro crime sexual. Até às 24 semanas é permitido quando há risco de malformação do feto.

Islândia

Permitido nos casos de risco de vida da mulher, risco para saúde física e/ou psíquica da mulher ou nos casos de crimes sexuais ou malformação do feto. É também permitido por razões sociais ou económicas. Aconselhamento obrigatório antes e depois da intervenção.

Holanda

Permitido até às 13 semanas por solicitação da mulher. Até às 24 semanas é permitido quando comprovada a situação de dificuldade e falta de alternativa da mulher e de ter manifestado e mantido o seu pedido de interromper voluntariamente a gravidez.

Irlanda

Punido por lei, excepto se ficar comprovada existência de um real e substancial risco de vida da mulher, incluindo o risco de suicídio.

Itália

Permitido até aos 90 dias, quando a continuação da gravidez, nascimento e maternidade constituam um grave perigo para a saúde física e psíquica da mulher. São também consideradas válidas condições económicas, sociais e familiares e/ou circunstâncias em que se realizou a concepção. Após os 90 dias é permitido quando há risco de vida ou da saúde física e psíquica da mulher, risco de malformação do feto e violação ou outro crime sexual.

Luxemburgo

Permitido até às 12 semanas por razões sociais e sócio-clínicas. Até ao segundo trimestre é permitido por risco de vida da mulher, risco para a saúde física da mulher, risco para a saúde psíquica da mulher, risco de malformação do feto e violação ou outro crime sexual.

CARMEN VIEIRA in tribuna (09/02/2007)

Escolher responsavelmente

Comecemos por reconhecer que a campanha eleitoral para o referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez do próximo domingo foi substancialmente diferente da que ocorreu há oito anos.

Claro que aqui e além houve excessos e, tratando-se de um tema delicado e que suscita tantas emoções, algumas vezes não se terá resistido a brandir fantasmas ou a incorrer na tentação de lançar anátemas ao campo adversário. Mas tais atitudes foram quase sempre marginais.

O que releva é que houve de facto um debate de fundo sobre a despenalização do aborto até às dez semanas e, sobretudo, que dos dois lados houve a preocupação de construir uma argumentação que sustentasse a sua própria posição e se contrapusesse aos argumentos do outro campo.

O debate foi esclarecedor? A crer nas sondagens dir-se-ia que sim. Na realidade ao longo da campanha o número de eleitores indecisos veio a diminuir. Como sucede entre nós, nos referendos, o dado menos fiável das sondagens reporta-se à taxa de participação no referendo. Com efeito, nos referendos anteriores, as sondagens indicavam índices de participação elevados, que, depois, não se confirmaram no dia do referendo, fosse o da interrupção voluntária da gravidez fosse o da regionalização.

Neste contexto, o referendo do próximo domingo também representa um teste à própria instituição referendária. Independentemente do que se pense sobre a exigência constitucional de uma taxa de participação efectiva de mais de 50 por cento dos eleitores inscritos para conferir força vinculativa ao resultado do referendo, a verdade é que desta feita não se pode dizer que a campanha eleitoral tenha sido um factor de desmobilização dos eleitores. Pelo contrário, a demarcação dos campos com base em linhas de argumentação distintas mas, no essencial, não extremadas permite clarificar os termos da escolha e, nessa medida, representa um incentivo adicional à participação dos eleitores. Espero que o referendo passe este teste de maturidade com nota positiva no próximo domingo.

Reconheço, contudo, que a clareza das opções que se colocam aos eleitores foi de algum modo afectada por algumas propostas de última hora vindas do campo do "não", tentando encontrar uma saída dita "a meio caminho". Estas propostas do tipo "crime sem pena", ou "incriminação com suspensão automática do processo penal" representam, em meu entender, uma tentativa de responder à força de um dos argumentos centrais da campanha do "sim", o da iniquidade da pena de prisão postulada pela lei actual e que se pretende alterar.

Houve quem, no campo do "sim", criticasse estas propostas considerando-as meramente tacticistas ou eivadas de uma certa hipocrisia normativa, argumentos estes que, em meu entender, até podem ter algum fundamento. Mas são de outra ordem as objecções essenciais que se podem (e devem) deduzir a estas propostas do campo do "não".

Desde logo este tipo de soluções não cria nenhum horizonte de esperança para resolver o flagelo do aborto clandestino, na medida em que a manutenção de uma moldura penal, mesmo que "neutralizada" em termos de aplicação da pena, sempre teria um efeito discriminatório, humilhante e hostilizador das mulheres que se encontram confrontadas com a decisão de interromper a gravidez até às dez semanas, inviabilizando que elas possam procurar, sem qualquer estigmatização, o apoio e a orientação possível e necessária junto do sistema de saúde público. Nesta dimensão, a despenalização até às dez semanas, que só a vitória do "sim" garante plenamente, é que pode representar um contributo para a redução radical da clandestinidade do aborto e consequentemente uma garantia segura para a saúde física e psíquica das mulheres.

A segunda razão tem a ver com o próprio resultado do referendo. Com efeito, nada legitima que, em caso de uma vitória do "não", se pretenda fazer passar a tese de que o referendo permite neutralizar o efeito penalizador da lei cuja alteração os eleitores rejeitaram no referendo. Seja ou não juridicamente vinculativo o resultado do referendo, não se me afigura possível fazer depender o seu resultado de uma interpretação do "não" que, além de não ser consensual (longe disso!) entre todos os que assim votam manifestamente contraria o sentido literal da pergunta colocada aos eleitores!

Só uma resposta "sim" pode garantir a abolição da pena de prisão nos casos de interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas, criar uma janela de oportunidade de efectivo combate ao aborto clandestino para a sua redução drástica e responsabilizar o poder política para a adopção de um quadro legal de acompanhamento, aconselhamento e apoio a uma maternidade responsável.

Em suma, uma solução equilibrada e responsável!

António Vitorino
Jurista

(DN online 09/02/2007)

É preciso votar



Termina hoje a campanha eleitoral do referendo da interrupção voluntária da gravidez. Oito anos depois da primeira auscultação do eleitorado volta a perguntar-se se há, ou não, razões para alterar o Código Penal. O debate público que mobilizou muitas forças políticas e sociais teve o mérito de nos questionar sobre princípios civilizacionais relevantes. Houve quem não se sentisse muito à vontade para os discutir com o alarido próprio das campanhas eleitorais. Houve quem radicalizasse o discurso e a atitude com pouca tolerância com os seus oponentes. Houve e há ainda quem não perceba que votar "sim" é tão legítimo como votar "não". E vice-versa.

Muitas vozes se ouviram, dentro e fora dos partidos, demonstrando que as fronteiras ideológicas nem sempre diferenciam questões de civilização, como é o caso da interrupção voluntária da gravidez. Na batalha política e dos argumentos ganhou nitidez uma clivagem fundamental: a religião. A campanha dividiu-se sobretudo entre os que se reconhecem no enraizamento católico e os que se reclamam laicistas. A fractura não é perfeita, porque há quem vote "sim" entre os católicos e quem vote "não" entre os laicos, mas as tendências dominantes derivam deste posicionamento cultural.

A legitimidade do "sim" e do "não" perante a pergunta que nos é colocada aconselha, ou melhor, exige, uma distinção clara de argumentos. O pior que pode resultar de uma campanha, que deve ser esclarecida, é baralhar os argumentos. Nos últimos dias, pretendeu-se confundir posições. De repente, pretende-se fazer passar a ideia de que votar "não" é a melhor maneira de garantir os resultados do "sim"... Pare- ce indiferente votar "sim" ou votar "não". E não é. Pode pensar-se que este reparo é apenas uma preocupação de quem tem uma resposta afirmativa para dar no domingo. Não é. Antes de mais, é uma questão de clareza e de responsabilidade. Há argumentos de peso para votar "não", tantos como para votar "sim". A escolha deve resultar de uma convicção que não precisa de habilidades nem de geometrias engenhosas.

Domingo, recorde-se, a pergunta é a seguinte: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" Não há outra pergunta. É só esta. O que virá a seguir depende do sentido da nossa resposta. Seja "sim" ou seja "não", importa votar. Em consciência. Sem subterfúgios.

António José Teixeira ( DN online - 09/02/2007 )

08/02/2007

Convite

Convidam – se os tod@s o visionamento do documentário “Como um barco na noite” de Melissa Thompson (Irlanda), hoje, dia 08 de Fevereiro, às 21 horas no anfiteatro C da Universidade dos Açores.

Realização e produção de Melissa Thompson
“Como um barco na noite” é um documentário de 30 minutos que acompanha a história de uma jovem pintora, de uma mãe trabalhadora com cinco filhos e de uma rapariga do campo na Irlanda, que viajaram até Inglaterra para abortar. O aborto é ilegal na Irlanda, punível com pena máxima de prisão, e, em consequência, 8000 mulheres irlandesas viajam todos os anos até Inglaterra para fazerem interrupção voluntária da gravidez.
Ouvimos, ainda, testemunhos de assistentes sociais, médic@s e conselheir@s de planeamento familiar sobre a história legal e de mentalidades que obriga as mulheres àquela viagem.
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

A questão do aborto gera muita controvérsia, mas pensando objectivamente, o voto no sim visa não punir a mulher por assumir uma decisão, por vezes, conjunta de um casal.
Obviamente que após a despenalização do aborto, tem de haver estratégias e acompanhamento dos casos em risco, de modo a controlá-los. Nada melhor do que Portugal proporcionar às mulheres as condições de saúde apropriadas para abortarem em segurança.
Vivemos num país livre e democrático, por isso mesmo, devemos chegar a um consenso, pois o que defendo não é um aborto praticado ao oitavo mês de gravidez, mas sim a despenalização de um acto que, até às dez semanas, poderá ter de ser realizado. Será preferível a mulher fazer um aborto clandestino, sem condições algumas, do que votar sim ao referendo? Um estudo diz-nos que, em 2006, foram realizados 18000 abortos. Não se trata, igualmente, de 18000 mulheres em perigo de vida?!
Infelizmente, hoje em dia, nem todas as mulheres se podem dar ao “luxo”, com pena do termo utilizado, de ter um filho, pois isso implica uma alteração às prioridades da vida que em Portugal já é muito difícil. Já não será suficientemente, nos dias que correm, uma pessoa se auto-sustentar? Será que vale a pena trazer um filho ao mundo para ele sobreviver, mas não viver? Uma família carenciada, normalmente, com um número de filhos considerável, não terá o direito de recorrer ao aborto, salvaguardando as condições mínimas do agregado familiar já existente?
Tentem imaginar uma adolescente violada… será que terá obrigatoriamente que ter a criança fruto desta violação? Gostará dela? Estamos de acordo neste ponto, mas então, não estamos a tirar o direito à vida neste caso? Não é esta a ideia defendida pelos apologistas do NÃO? Então nos outros casos é uma vida que se está a gerar e neste não?
Quem trabalha tem possibilidade de ter uma vida estável. Infelizmente, a pobreza está sempre ligada a famílias numerosas, por isso, entendo que a legalização do aborto ajudaria a minimizar esta situação.
A pílula do dia seguinte já não é uma forma de aborto legalizado? Tanto quanto sei, ninguém se importou com isso, hoje em dia quem está contra o aborto talvez já tenha feito uso dela…
Um preservativo pode estar danificado, a pílula não funcionar e uma pessoa ter o direito de não querer ter filhos. Deverá ser condenada a anos de cadeia por isso?
Países mais desenvolvidos do que Portugal aderiram à legalização do aborto com sucesso, então seguimo-los nuns aspectos, porque não segui-los neste, quando o que está em causa também é o direito e a dignidade da mulher?
Votando sim à despenalização do aborto não implica ser a favor da prática efectiva e abusiva deste acto. Resta apelar à consciência de cada um! O aborto deve ser um crime sem pena, sendo portanto um problema de consciência!

Paulo Nunes

06/02/2007

O fantasma português de Vera Drake

Na Inglaterra de 1950, Vera Drake é uma mãe de família modesta, que faz limpezas em cinco casas diferentes, que visita os seus vizinhos, que ampara uma mãe sozinha... Vera também ajuda raparigas, raparigas que precisam de ajuda. São estas as suas palavras. Para Vera é simples. Mas na Inglaterra dos anos 50, o aborto era ilegal e punido com pena de prisão. Muitas mulheres chegavam aos hospitais com complicações de abortos mal feitos, correndo risco de vida. A história em nada é diferente do Portugal dos dias de hoje. Como no Portugal do século XXI, essas mulheres eram denunciadas às autoridades, pelas enfermeiras e pelos médicos. A Inglaterra acordou para a realidade e resolveu mudar a lei, porque não é proibindo, condenando e levando as mulheres para a prisão que a questão do aborto se resolve. Hoje, todos os países da União Europeia tem descriminalizado o aborto, à excepção da Irlanda, Polónia, Malta e Portugal. No entanto, é apenas o governo português que leva realmente a tribunal médicos/as, enfermeiros/as e mulheres que tenham recorrido ao aborto.
O consenso internacional é claro. Em Junho de 2002 o Parlamento Europeu adaptou o relatório “Lancker” (Relatótio Van Lancker A5-00223/2002), que aconselhava a tornar o aborto legal, seguro e acessível, apelando aos países para que não perseguissem mulheres que tivessem feito um aborto ilegal. As Nações Unidas defenderam durante as suas conferências tais como “A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento” no Cairo (1994) e durante a “Quarta Conferência Mundial da Mulher” em Beijing (1995), defenderam que “Os governos e as organizações deverão fortalecer o seu compromisso com a saúde das mulheres, e deverão lidar com os impactos na saúde provocados pela realização de abortos inseguros como uma prioridade da Saúde Pública”. A Organização Mundial de Saúde defende que: “Os governos têm de avaliar o impacto dos abortos inseguros, reduzir a necessidade de abortar e proporcionar serviços de planeamento familiar alargados e de qualidade, deverão enquadrar as leis e políticas sobre o aborto tendo por base um compromisso com a saúde das mulheres e com o seu bem-estar e não com base nos códigos criminais e em medidas punitivas. (...) As mulheres que desejam por termo à gravidez deverão ter um pronto acesso a informação fidedigna, aconselhamento não-directivo e em paralelo, devem ser prestados serviços para a prevenção de uma gravidez indesejada assim como a resolução e resposta face a possíveis complicações” (Unsafe abortion: Global & regional estimates, 1997 – WHO/RHT/MSM/97.16)
Como valenciana, espanhola e europeia convencida, desejo que Portugal se ponha à altura do continente e diga nunca mais à hipocresia. A floritura do referendum passa, mas não se justifica. Porque falamos de direitos, não de opiniões. Como membro de família católica, tenho mastigado e digerido sermões, revistas e videos obsoletos com imagens de fetos mortos e familias quebradas ‘a causa do aborto’. E faz-me rir. Porque ante o inevitável, é justamente a negacão da igreja que alimenta aquilo mesmo contra o que ela protesta. A dor e a injustiça chegam na obscuridade da ilegalidade – não na hipocrisia de crer que o aborto é irradicável. Mais de 1/3 das gravidezes não é planeada. Todos os anos, quase 1/4 de mulheres grávidas decide fazer um aborto. Cada 6 minutos, algures no mundo, morre uma mulher devido a um aborto clandestino feito em más condições. Cada dia morrem mais de 200 mulheres no mundo. Nunca mais fechar os olhos. Falamos de fé, maturidade religiosa e mudança cristã, não de proselitismo estilo idade média onde se nos dita o que pensar. Muitas católicas e católicos dizemos não à cegueira de muitos lideres eclesiásticos e proclamamos que os direitos humanos não são incompativeis com a nossa fé e religião. Vejam o movimento de libertacão, vejam o movimento das catolicas pelo direito a decidir... Queremos respeito, direitos e decência dentro da igreja, dentro do movimento católico. Queremos ser católicos e ao mesmo tempo pessoas coerentes. Ser católica de boca, não me serve. Ser católica com factos, sim.

Kas lajosep@hotmail.com

02/02/2007



( para mais informações ver Actividades Agendadas, na coluna à direita )

01/02/2007

Convidam-se todo/as o/as cidadãs e cidadãos a estarem presentes no próximo dia 2 de Fevereiro 2007, 6ª feira, pelas 20:30 horas na Delegação da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta (Edifício da Recreio dos Artistas, Rua da Rosa s/nº 1º Andar 9700 Angra do Heroísmo), para a realização de uma Assembleia de Movimentos pelo SIM, cujo o tema é a IVG, denominada "@s Católic@s também votam SIM" e que contará com a presença de Alcilene Calvacante de Oliveira (Historiadora e representante do "Movimento Católicas pelo Direito de Decidir"), Carlos Ribeiro (Biólogo e representante do "Em Movimento pelo Sim"), Maria Amélia Campos (Inspectora de Educação e Representante do "Movimento Voto Sim"), Paulo Mendes e Clarisse Canha (Mandatária e representante do Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim).

Todo/as são bem vindo/as...

No passado dia 26 de Janeiro realizou-se, na Delegação da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta em Angra do Heroísmo, uma Sessão Pública de Esclarecimento sobre: “A despenalização da interrupção voluntária da gravidez”. Esta foi uma iniciativa da Associação UMAR – delegação de Angra do Heroísmo – com o objectivo de esclarecer a opinião pública sobre as razões a votar Sim no referendo e, deste modo, contribuir para a despenalização da Mulher que em consciência decide interromper uma gravidez.
Esta sessão, que teve a duração de cerca de 2h, contou com a presença da Dr.ª Fernanda Mendes – Médica Psiquiatra e representante do “Movimento, Cidadania e Responsabilidade pelo Sim – e com o Dr. Paulo Mendes – psicólogo e representante da APF – Associação para o Planeamento da Família.
A sessão de esclarecimento iniciou-se com a apresentação das conclusões do recente estudo da APF sobre a realidade do aborto em Portugal. Assim, segundo as conclusões do referido estudo, estima-se que em Portugal no ano transacto foram realizados entre “17 260 a 18 000 abortos” e que cerca de “346 000 a 363 000 mulheres” já realizaram pelo menos um aborto ao longo da vida. A idade das mulheres que abortam situa-se “entre os 17 e 20 anos e entre os 25 e 34 anos”, sendo também referido pelo Dr. Paulo Mendes e reforçada a ideia pela Dr.ª Fernanda Mendes de que a maioria das mulheres que interrompem a gravidez são casadas e já têm filhos.
Perante uma assistência participativa e interessada foram mais uma vez explanados os argumentos a favor do voto Sim no referendo. Entre outros a Dr.ª Fernanda Mendes salientou a importância da despenalização e do voto a favor do Sim, já que este inclui a opção do Não, o mesmo não se verificando em caso contrário. Segundo as suas palavras “ Porque o SIM engloba todas as pessoas independentemente da sua ideologia politica, religiosa ou filosófica. O NÃO exclui todos os que não alinham pelos seus pensamentos e valores.” Neste sentido foi igualmente focada a questão de que sendo o Estado português um Estado laico, existir a necessidade, do mesmo, se demarcar das posições assumidas pela religião católica ou qualquer outro credo. Só desta forma todos os cidadãos poderão sentir que os seus direitos, nomeadamente o de decisão pessoal, estão salvaguardados.
O votar Sim no referendo que sendo maioria dará origem à aprovação da lei da despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas, permite às mulheres que decidam abortar fazê-lo em segurança e com as condições de saúde e higiene apropriadas. A lei actual “empurra as mulheres para a interrupção da gravidez clandestina, ilegal e insegura, com graves riscos para a sua saúde e vida.” Este aspecto de clandestinidade vem agravar quer as consequências físicas quer as psicológicas do acto de abortar. Além disso, a Dr.ª Fernanda Mendes também, mais uma vez, referiu que com a despenalização e a mudança da lei as mulheres que decidam interromper a gravidez dentro das condições estipuladas poderão ser integradas e acompanhadas pelo sistema nacional de saúde.
A mudança da lei actual, só possível com a maioria do voto SIM no referendo, permite também que a mulher que decida em consciência interromper a sua gravidez, o faça em igualdade de oportunidades em relação àquelas que o podem realizar, por disporem de recursos económicos, e assim ao se deslocam a outros países onde a lei não criminaliza as mulheres que abortam.
Outro aspecto importante salientado pela Dr.ª Fernanda Mendes prende-se com o facto de gravidez não significar o mesmo que maternidade, sendo que a primeira não implica a última. A gravidez é um estado, uma condicionante biológica refere-se “ao estado resultante da fecundação de um óvulo pelo espermatozóide”. Contudo, maternidade implica um projecto, uma vontade, uma disponibilidade em vários níveis, uma atitude, um desejo… para além de maturação física implica maturação psicológica. Por conseguinte, o que se pretende é “uma maternidade e paternidade assumidas e responsáveis antes e depois do nascimento.”
Estas, e outras, foram as razões apresentadas para o votar SIM no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro.


Nélia Ornelas – técnica da UMAR/ CIPA Angra do Heroísmo